quarta-feira, 24 de março de 2010

Praia

E ele olha de longe, talvez pela última vez, a praia. Infelizmente é necessário mudar. Vai às montanhas e por lá sempre ficará. Amava o mar, passava todos os dias perto. Sentia-se envolvido de uma maneira única quando estava ali. Aquela sensação da água, do flutuar, do preenchimento, do movimento calmo da maré...


Agora essas memórias ele fingirá que não tem. Fingirá que, da água, apenas se lembra da gelada e fria sensação, da correnteza o levando aonde não queria ir e da salgada e ardida sensação. Ele sabe, por mais que não queira admitir, que não são essas lembranças que o marcaram. Estranho destino que os fez separar.


Ele foi fundo, fundo até demais. Quis ir no máximo que poderia ir, sentir, ser, fazer parte. Foi ao máximo que podia tentar e se afogou.


Agora nas montanhas ele vive o mais longe que pode do mar. Engana-se quem pensa que é do aconchegante frio e beleza dos Alpes que o levaram ali. Não, foi preciso se afastar. Agora ele se ilude ao fingir sentir que são ruins as suas lembranças do seu mar.

Capítulos

Ela o olha na sua cama, enquanto dorme. Aqueles traços já são tão comuns. Os meses e anos o tornaram ordinário. Ela passa a mão nos seus ombros e depois a recolhe para o próprio lado. Não é que não o ame mais, mas pensa sobre como tudo se tornou corriqueiro. Aquele sentimento incrível e sensacional, que fazia seu coração disparar, passou. Não que o presente mude o passado, este é doce e beira a perfeição, pensa ela, e nada o mudará. Isso a leva a sorrir, mas logo volta aos seus pensamentos.


Ele se vira, deita de bruços e, após um longo suspiro, volta a ficar silencioso. Antigamente a fascinava olhá-lo em seus movimentos naturais e inconscientes, talvez por isso que ela adore passar a noite ao seu lado. Dormir com alguém é uma das mais profundas conexões entre duas pessoas. O fato de estarem os dois fora de si produzindo toques e respirações próximas e inconscientes que torna dormir ao lado de alguém uma involuntária - mas sincera - aproximação das pessoas. É por isso que ela nunca gostou de dormir com qualquer um e é por isso que adora dormir ao seu lado. Pensando nisso ela percebe o quanto gosta dele. Ela o ama, disso não há duvida, mas ela já não sente o contentamento inimaginável que era vê-lo deitado ao seu lado. Ainda que o ache belo dormindo, aquele corpo já não é mais o seu troféu, o troféu de sua felicidade.


Talvez um ou quem saiba dois anos era a validade do amor, foi o que sempre pensou. O que a confunde é ter ao seu lado, e ela tem certeza disso, o amor de sua vida. Como pode logo ela que pensa que o amor não é eterno, ter achado o amor para a vida toda? Como pode logo ela que achou o seu grande amor, ter dúvidas sobre continuar ao seu lado?


Ela se vira, para o lado da parede. Sempre preferiu este lado da cama, assim ele que ficava do lado do despertador. Ele nunca se importou, por mais que fosse horrível a hora de acordar, de ficar daquele lado da sua cama mesmo que algumas vezes era apenas ela que precisava ser desperta.


Ela pensa nas coisas que já fez para ele e as que ele deixou de fazer por ela. Talvez esse seja o grande erro dos amores: o julgamento tendencioso. Imaginamos sempre que nossas ações foram incríveis e ignoramos a ação do outro às vezes ao ponto de virar uma competição de quem se sacrifica mais pelo outro, quem se importa mais com o outro, quem se demonstra mais pelo outro, quando nunca deveríamos pensar em querer que alguém se sacrifique por nós ou que seja um sacrifício o que fazemos. Chega-se ao ponto de um jogar na cara do outro quem fez mais pelo amor. Quanto erro. Não deviam ser quantificadas e nem qualificadas o que fazemos por estamos com alguém, se é feita pela naturalidade do amor, não há porque existir uma competição. Ela sabe as coisas maravilhosas dele, orgulha-se disso; como também sabe que deixou de fazer coisas que o acabaram magoando, mas deitada ali, ela não pensa nesse lado, apenas pensa nas suas ações, no que ela agora pensa em ter sido sacrifícios, no que ela se engana em achar que tenha sido perfeita e ele tão errado.


Seus pensamentos pesam, olhando para a parede se sente infeliz, na dúvida, perdida. Começa a lembrar deles e acaba imaginando que nenhum outro fará tanto o que ele faz, E ele faz por que gosta. Lembra-se da primeira vez que passou a noite naquela cama e no dia seguinte foi desperta por um café-da-manhã surpresa. Isso lhe rouba um sorriso, mas depois volta a pensar se deveria ficar com ele. A vida é uma só, não podemos tentar algo e depois ver qual é a melhor escolha. Ela pensa nos desejos que tem por outros, sente-se envergonhada. Não que deseje trair, ou coisas assim. Ela pensa nas vezes que olhou para outros e desejou ser experimentada. A vergonha aumenta, sempre imaginou que amar outro é só desejá-lo. Ela nunca quis ser leve, mas pensa em ser livre para tenta outras vontades. Ela só queria ser feliz e não sabe se é assim que será.


As dúvidas de o amor ser suficiente aumentam. O cotidiano que o amor trás nos que o tem recíproco causa um veneno na relação, quando deveria ser o contrário. Torna-se comum se sentir amado, quando na verdade é incrivelmente difícil encontrar alguém que tenha esse sentimento mútuo. Essa comodidade nos faz esquecer a importância, o carinho, amizade, companheirismo e tudo que é trazido com esse encontro e são desconsiderados pelo continuo sentimento que temos. Essa comodidade que a leva a ter a dúvida. As brigas, tristezas e mágoas começam a serem enaltecidas enquanto é esquecida, por se tornar comum e não repararmos, nas grandes felicidades que são trazidas. Os dias ruins sempre existirão, não é visto nos álbuns de fotografia, mas são eles que levam uma foto feliz até a próxima, e estas que devem ser recordadas, mas não é. A comodidade a faz esquecer o álbum e se lembrar do entre fotos. O amor é o maior sentimento do homem. É grandioso, é bonito e é raro encontrá-lo, tê-lo, senti-lo. O amor não é o suficiente, é tudo!


Ele se vira para o lado dela, e naqueles movimentos entre lucidez e ilusão do entre sono, passa a mão por cima dela, enquanto trás a boca para tocar, primeiro com a respiração e depois com os lábios, sua nuca. Ele procura a mão dela, a segura, agarra e leva para próximo do peito dela, onde é possível sentir a rápida e forte pulsação do coração, Não se atreva a me deixar, diz ela, Não se preocupe; Quem foi o tolo que disse que o amor não é eterno?

segunda-feira, 22 de março de 2010

Três damas

Sinta-se só!

Não foi o dito,

mas o feito.

Afastou um passado.

Torturado presente.

Fim de um futuro.

Sinta-se só!

Despedaçado coração.

Peço-lhe sinceridade,

desmerecido perdão.

Sinta-se só!

Perdida amizade.

Cria-se um vão.

Resta só saudade.

Senti-me só!


Sinta-se só!

Não foi o feito,

mas o dito.

Afastam-se num passado.

Despedaçado presente.

Pedi-se um futuro.

Sinta-se só!

Fim de um vão,

perdida saudade,

cria-se um perdão.

Sinta-se só!

Torturada sinceridade,

desmerecido coração.

Resta a amizade.

Sinto-me só!


Sinta-se só!

Foi o dito,

mas não o feito.

Desmerecido passado.

Fim de um presente.

Perdido futuro.

Sinta-se só!

Peço-lhe perdão.

Despedaçada saudade,

torturado coração,

Sinta-se só!

Cria-se uma amizade,

afasta-se o vão.

Resta a sinceridade.

Sente-se só!